sexta-feira, julho 22, 2005

O nascimento da Ciência da Informação

Quem quiser conhecer melhor esta ciência, tem que recuar algumas décadas no tempo, para poder discernir os primeiros passos. Antes dos finais do século XIX, altura em que surge o termo «information science»[1], não há referências específicas a esta designação. A ciência da informação tem ligações ou raízes a outras disciplinas que, desde há muitos séculos, se começaram a afirmar como tal. Assim sendo, com o advento da Imprensa, o aumento gradual do fluxo de informação, o humanismo, o aumento exponencial da burocracia na administração pública, a centralização dos arquivos e a abertura das primeiras bibliotecas públicas, deu azo a algumas práticas empíricas na organização das bibliotecas, contribuindo para isso o surgimento dos princípios da bibliografia científica, no século XVI, cujo percursor foi Konrad Gesner.
Em 1891, o belga Otlet e outros publicaram o «Sommaire périodique dês revues de droit»[2], após a qual, ele próprio expõe a sua preocupação pela qualidade ao invés da quantidade das publicações que eram referenciadas nos catálogos bibliográficos. Em 1892, Paul Otlet e Henri La Fontaine unem esforços no sentido de criar o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB), cujo objectivo principal era o de reunir toda a informação registada. O que estava em causa não era o suporte, mas sim a informação, daí que se possa falar na emergência de uma nova área a romper com as vigentes, que veio a designar-se por "Documentação". Esta tornou-se uma noção com características intrínsecas, convergindo o seu «âmbito à organização e tratamento de registos informativos em diversos suportes, necessários, sobretudo, à investigação científica e técnica»[3]. O crescente interesse por esta nova área, levou à criação do American Documentation Institute (ADI), cuja missão era a de tornar acessível a informação de índole científica. Na opinião de López Yepes, a Documentação é uma «"ciência do documento", ciência geral, auxiliar de todas as demais e que lhes impõe as suas normas desde o momento em que eles transmitem seus resultados sob a forma de documentos»[4]. A partir da 2ª Guerra Mundial, com o grande desenvolvimento tecnológico, a explosão da informação – nomeadamente o "boom" da informação científico-técnica vai dar origem a novos centros de documentação.
Em 1958, após a International Conference on Scientific Information que decorreu em Washington, dá-se início a uma nova era, pois é a partir desta data que alguns autores se referem a esta conferência como o acontecimento que marca a metamorfose da documentação em ciência da informação.
Em 1962, a surge esta expressão no título de uma reunião internacional denominada de Second International Congress on Information System Sciences, realizado em Hot Springs (Virgínia). A meados da década de 60, a expressão estava definitivamente implantada nos E.U.A., acabando por ser o país onde esta área se desenvolveu mais rápido. Devido ao seu estudo aprofundado, tornou-se constante o surgimento de propostas de definição, além de uma tentativa de fundamentação teórica desta área disciplinar.
Em 1966, surge a revista Annual Review of Information Science and Technology e, dois anos depois o ADI muda o seu nome para American Society for Information Science (ASIS). Do ponto de vista profissional também se reconhecem os antigos documentalistas como profissionais da information science.
Cada vez, são mais as definições que tentam aperfeiçoar e descrever a essência desta nova área. Nas conferências do Geórgia Institute of Technology, realizadas em Outubro de 1961 e Abril de 1962, vai sair uma definição que ainda hoje se mantém consensual. Assim sendo:
«Ciência da Informação é a que investiga as propriedades e comportamento da informação, as forças que regem o fluxo da informação e os meios de processamento da informação para um máximo de acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, disseminação, colecta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação e uso da informação. O campo deriva ou relaciona-se com a matemática, a lógica, a linguística, a psicologia, a tecnologia computacional, as operações de pesquisa, as artes gráficas, as comunicações, a biblioteconomia, a gestão e alguns outros campos»
[5].
Em 1968, Harold Borko, num artigo intitulado de Information Science – What is it?, reformula a definição que saíra das conferências de 1961-62, com a qual se identifica, mas indo mais além, descrevendo que a biblioteconomia e a documentação são componentes aplicadas da ciência da informação. A partir desta data ainda surgem variadas definições de diferentes autores para a ciência da informação, no entanto o debate vai começar a centrar-se sobretudo em torno do "objecto" da ciência da informação (o que é que esta ciência estuda? – Informação!) e a delimitação do seu campo científico. Esta questão do "objecto vs. informação", tem sido problemática, multíplice e com diferentes sentidos.
Pois há alguns autores defendem com muito acérrimo a ciência da "Documentação" na luta pelo campo científico, nomeadamente através da "escola espanhola" que defende esta ideia, difundindo-a pela América Latina. Os profissionais da documentação/informação, onde em Espanha é designada por Ciência da Documentação, tentam implementar esta frágil disciplina, onde as suas maiores dificuldades surgem de «su carácter de metadisciplina o de interdisciplina, pues presta su apoyo a otras ciencias además de transcenderlas para desarrollarse como ciencia propria, além de que esta pretensa ciência no tiene un objeto en exclusividad; da igual que pensemos en el documento o en la información: nuestra ciência se ocupa de algunos de sus aspectos, no de todos»
[6] segundo a autora Blanca Rodríguez Bravo[7]. Nos E.U.A. existem facções ou grupos de profissionais que defendem que a ciência da informação está englobada na ciência da comunicação. No entanto esta mudança prende-se com a seguinte diferença – uma coisa é usar a informação, outra coisa é estudar a informação.

Terminando, deixo apenas uma pequena citação para reflectir: «o objecto de estudo da Ciência da Informação – a Informação – flutua entre sombra e luz, na complexidade não somente do seu processo de criação, mas na sua passagem para o conhecimento e, sobretudo, num processo histórico mais amplo e não menos complexo, de profundas e radicais transformações da sociedade da informação ou da tecnocultura.»[8]





[1] SILVA, Armando Malheiro da [et. al.] – Arquivística: teoria e prática de uma ciência da informação. Porto: Edições Afrontamento, cop. 1998. (Biblioteca das Ciências do Homem. Plural; 2). ISBN: 972-36-0483-3. p. 27.
[2] ROBREDO, Jaime – Da ciência da informação revisitada: aos sistemas humanos de informação. Brasília: Thesaurus; SSRR Informações, 2003. p. 40
[3] SILVA, Armando Malheiro da [et. al.] – Arquivística: teoria e prática... Ob. Cit. p. 28.
[4] LÓPEZ YEPES, José – La Documentación como disciplina: teoria e historia. 2ª ed. actualizada y ampliada. Pamplona: Ediciones Universidade de Navarra, 1995. ISBN: 84-313-1328-5. p. 80.
[5] RIBEIRO, Fernanda e SILVA, Armando Malheiro da - Das "ciências" documentais à ciência da informação : ensaio epistemológico para um novo modelo curricular. Porto: Edições Afron-tamento, 2002. ISBN: 972-36-0622-4. p. 53.
[6] SILVA, Armando Malheiro da – Documentação e Informação: as questões ontológica e epistemológica. [s.l.: s.n., s.d.] p. 3-4.
[7] Sobre este aspecto, ver: RODRÍGUEZ BRAVO, Blanca – El documento: entre la tradición y la renovación. Gijón: Ediciones Trea, S.L., 2002.
[8] Ciência da Informação, Ciências Sociais e Interdisciplinaridade. Org. de Lena Vania Ribeiro Pinheiro; pref. de Gilda Maria Braga. Brasília; Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, 1999. p. 178.