segunda-feira, janeiro 12, 2004

A Recessiva Política Arquivística e Os Imortais Fascínios (1) Por JOSÉ SUBTIL, professor universitário



...Este é um dos tais trabalhos que implica paciência, determinação de objectivos, inculcação de novos padrões de procedimentos cuja notoriedade de resultados se mede ao fim de muitos anos. Se os profissionais ligados aos sistemas de informação arquivística não se convencerem que a sua proeminência se fundamenta nestas competências e neste tempo longo, são facilmente levados a supor e a acreditar que ninguém lhes liga, que são insignificantes, acabando por reagir fascinados pela revelação de imortais desígnios históricos.

Ao fim de uma dúzia de anos, constatamos que, para além de nada ter sido feito, se volta a dizer, com pompa e circunstância, que é preciso começar a fazer. Sem mais novidade sobre o que se sabia e sem nenhuma nova conceptualização sobre a realidade arquivística numa década em que assistimos ao maior impulso da revolução tecnológica (ver, por exemplo, a entrevista do PÚBLICO aos responsáveis pelo diagnóstico), acho que seria bom para o país que a Torre do Tombo se dedicasse a cuidar do seu acervo, assumisse a sua vocação de custódia e definisse como estratégico da sua missão a criação de modernos instrumentos de acesso à informação. Seria prestar-nos um excelente serviço. Todos lhe ficaríamos muito gratos. E os dinheiros públicos seriam bem empregues.

Quanto aos arquivos intermédios, designação que hoje é já incompreensível, o melhor é começar, desde já, a tratar dos correntes, ou seja, dos arquivos administrativos que não são um problema do Ministério da Cultura mas um problema político do Estado (vejam-se, por exemplo, as degradantes imagens que as televisões passaram, recentemente, de processos dos tribunais e da Procuradoria Geral da República nos caixotes de lixo). Para isso é preciso uma estrutura de missão que trabalhe com a reforma administrativa e a sociedade da informação, que faça política transversal a todos os organismos públicos, que tenha visibilidade social e responda perante o primeiro-ministro. Os efeitos desta política de informação multiplicar-se-ão por todos os sistemas arquivísticos e o papel da Torre do Tombo será, então, equacionado como um dos pólos da estratégia de descentralização de responsabilidades quanto à preservação e acesso à informação arquivística.

As grandes linhas de orientação desta política, que é urgente empreender, não serão definir e obrigar a incorporações na Torre do Tombo (vamos querer quantas mais torres? A que existe está, como todos sabem há muito, completamente cheia), mas criar, apoiar e estimular o uso administrativo de instrumentos de gestão da informação e da documentação que passem pela selecção, pela mudança de suportes, pela criação de instrumentos de acesso, definição de redes e interfaces capazes de fomentar a cooperação, o empenho e a implicação sistémica entre os serviços produtores de informação e documentação do Estado.
In Público 12 de Jan. 2004